Sexualidade ainda é tabu para os adultos

Distorções, mitos, preconceitos e tabus, causados principalmente por falta de conhecimento, prejudicam a abordagem do tema, inclusive por psicólogos

sexologiaMesmo que a Internet e a televisão proporcionem a chamada erotização da vida doméstica, muitos pais ainda enfrentam problemas na hora em que precisam falar sobre sexo com seus filhos. O avanço da tecnologia proporciona muito mais informação aos jovens e, como reconhecem especialistas do Ministério da Saúde, em várias situações o grau de conhecimento dos adolescentes é igual ou maior do que o dos adultos.

A visão dos adultos é de preconceito, tabus, causados principalmente por falta de conhecimento, inclusive por psicólogos que muitos têm preconceitos, apegados em costumes e padrões arcaicos, ao passo que deveriam esclarecer as famílias sobre o assunto.

Na história humana é possível verificar que havia uma cruel intolerância à diferença na expressão da sexualidade. Observa-se que, em escala e intensidade muito menores, essa diferenciação em pleno século XXI não superou a herança de ter um significado negativo dentro do contexto sociocultural, cujo objetivo está focalizado em um ideal que visa à norma. Obviamente é um ideal inatingível, porque as fronteiras são sempre rompidas, de modo que a sexualidade humana passa a ser discutida como transgressora da norma, pondo sob questionamento o fato de ser a sexualidade negativa e não positiva, na medida em que infringe as normas.

O psicólogo clínico se insere nesse contexto sociocultural e, portanto, dele não difere quanto aos mitos, preconceitos e tabus. Apesar do mundo globalizado, o paciente contemporâneo não deixou de ser sexuado. Preconceitos e tabus ainda existem em torno da sexualidade.

O ofício de um terapeuta possibilita o encontro com diversos tipos de pessoas, inclusive de variada faixa etária, em situações diversas de saúde ou de doença, de nível socioeconômico e cultural, de raça, de cor e de sexo. É importante destacar que, em todas essas situações, a sexualidade e suas diversas manifestações estão presentes na realidade cotidiana e na prática clínica. Evitá-la, portanto, é uma ilusão histórica que reforça padrões repetitivos e não favorece o conhecimento e a evolução.

O objetivo do estudo é analisar como se caracteriza a abordagem e a escuta da sexualidade na prática terapêutica, especificamente investigar a opinião do terapeuta sobre a importância da abordagem da sexualidade na terapia, identificar possíveis dificuldades do terapeuta, na prática, para abordar e trabalhar a sexualidade do paciente, e investigar se a experiência clínica influencia na abordagem da sexualidade na terapia.

Preceitos
O pernambucano Jurandir Freire Costa, psicanalista e escritor, em seu livro O vestígio e a Aura: Corpo e Consumismo Na Moral do Espetáculo, definiu que os preceitos morais dominantes permanecem os mesmos — modelados, é claro, pelo colorido da atualidade. Quando o assunto é sexualidade, parece que nem esse colorido consegue disfarçar as graves distorções, as falsas crendices e a má fama que envolvem o tema. Isso colabora para a manutenção equivocada de preceitos morais que desconhecem o respeito à diferença. Os textos reunidos por Jurandir em sua obra mostram interesse na análise da chamada “crise de valores contemporâneos”, com base em fenômenos bem comuns nos últimos tempos, como o culto ao corpo e à aparência, o consumismo e a cultura da imagem.

São textos caracterizados, simultaneamente, por erudição, rigor e ética. Embora norteado pela filosofia, pelas ciências sociais e pela psicanálise, não é um livro dirigido somente para acadêmicos ou especialistas. O autor coloca suas ideias e pensamentos de maneira acessível a todos os que se interessam pelas grandes questões da existência humana e pelas dificuldades do mundo de hoje.

Em todas as situações, a sexualidade e suas diversas manifestações estão presentes na realidade cotidiana e na prática clínica

– Édipo –
O Complexo de Édipo, desenvolvido por Freud, indica que a criança, ao atingir o período sexual fálico na segunda infância, entende a diferença entre os sexos, criando a tendência de fixar sua atenção, relacionada à libido, às pessoas do sexo oposto no universo da família. O conceito foi descrito e recebeu a designação de “complexo” por Carl Jung (foto). Freud se baseou na tragédia de Sófocles, Édipo Rei, chamando Complexo de Édipo à preferência velada do filho pela mãe, acompanhada de uma aversão clara pelo pai.

Como os Psicólogos lidam com a sexualidade na terapia?

Uma pesquisa qualitativa utilizou de cunho observacional exploratório. O instrumento para a avaliação foi um questionário composto por 15 questões, quatro delas abrangendo aspectos sociodemográficos e 11 pertinentes aos propósitos da pesquisa. O questionário foi aplicado a psicólogos/psicoterapeutas do primeiro, segundo e terceiro anos do Curso de Especialização em Psicologia Clínica de uma instituição de ensino de Porto Alegre (RS).

Após a aplicação do questionário, foi computada a participação de 41 psicólogos, sendo 32 mulheres e nove homens, com média de 35 anos de idade. O universo pesquisado contemplou 42% de solteiros, 24% de uniões estáveis, 22% de casados, 10% de separados e 2% de divorciados.

Foram selecionadas quatro categorias principais que representam os conteúdos registrados no questionário. A composição das categorias coincidiu com o foco das questões formuladas. As categorias são: abordagem da sexualidade, dificuldade para abordar a sexualidade em psicoterapia, diversidade das práticas sexuais, preparo para trabalhar com sexualidade e conhecimento.

Composição das categorias

No quesito Abordagem da Sexualidade, as respostas referentes às três questões se encontram na tabela 1. A primeira pergunta, “A experiência clínica influencia na abordagem da sexualidade em psicoterapia?”, as respostas estão representadas por *. Na segunda questão, “Você considera importante a abordagem da sexualidade em psicoterapia?”, as respostas estão representadas por **. E a terceira, “Como você se sente quando tem que abordar a sexualidade com um paciente?”, as respostas estão representadas por ***

À primeira questão, 35 participantes responderam “Sim” e seis participantes responderam “Não”. Essas afirmações revelam que, para a maioria dos respondentes, a experiência clínica influencia na abordagem da sexualidade. É possível concluir que os psicoterapeutas novatos e intermediários podem ter dificuldades ou até mesmo não abordar o tema em psicoterapia por não se sentirem instrumentalizados com recursos que os tornem aptos para a escuta clínica da sexualidade.

Segundo Vitiello & Rodrigues Junior (1997), a sexualidade é um assunto que se reveste de massa compacta de contradições, tabus e ignorância, a tal ponto que, para os autores, nos dias atuais muitas pessoas consideram esse tema exclusivo para adultos e defendem a ideia de que tal referencial deve ser excluído dos âmbitos de palestras, cursos e currículos escolares, por o julgarem obsceno.

O interesse de Freud a respeito das questões da sexualidade originou-se na observação clínica da importância dos fatores sexuais na etiologia das neuroses. Foi numa época de rígida moral vitoriana, na qual a inocência das crianças era considerada inquestionável, e predominava a ideia de que a sexualidade só viria a se manifestar na puberdade. Freud, numa atitude de coragem e audácia, lançou o clássico Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905).

À segunda questão – “Você considera importante a abordagem da sexualidade em psicoterapia?” – 40 dos 41 participantes responderam “Sim”. Não apareceu nenhuma resposta “Não” e apenas um participante respondeu “Depende”. Verifica-se a consciência dos respondentes quanto à importância em abordar o tema. Entretanto, embora haja consciência, isso não significa que, na prática clínica, ela seja ouvida e trabalhada.

É fato que a sexualidade está presente desde o início da vida do ser humano. A visão crítica e reflexiva sobre esse tema deve servir de estímulo aos profissionais da saúde e às instituições formadoras, para que se adaptem de maneira dinâmica aos processos de evolução e modernização da psicologia.

Conforme Lucca (2008), sexualidade e afetividade se autoimplicam. Ao tocarmos em uma, tocaremos imediatamente na outra. Talvez por isso fique tão difícil mexer com a sexualidade.

Para a terceira e última questão da primeira categoria – “Como você se sente quando tem de abordar a sexualidade com um paciente?” – as respostas mostram uma variedade de significados atribuídos ao sentimento. Observa-se que oito participantes responderam “Depende do perfil do paciente; com uns, sem dificuldades, e com outros, mais dificuldades”.

A sexualidade é um atributo natural, mas, infelizmente, é também a causa de muitos conflitos para a maioria das pessoas.

Nesse caso é possível pensar que não houve compreensão da pergunta ou que os respondentes encontram dificuldades para trabalhar a sexualidade em psicoterapia com qualquer paciente. Isso sugere que, para eles, o conforto ou o desconforto ao tratar do tema vai depender do perfil do paciente e não da instrumentalização e da naturalidade do psicoterapeuta para abordar e trabalhar com a sexualidade.

A pesquisa também mostra que dois participantes responderam que, quando precisam abordar a sexualidade, sentem violar a intimidade do paciente. Nesse caso, a sexualidade é vista como invasão de privacidade. Cabe destacar que nessas circunstâncias a sexualidade também pode ser excluída, dissociada e não trabalhada no contexto clínico, e, em casos extremos, deixar de ser considerada como componente essencial na história de vida do indivíduo.

O interesse de Freud pela sexualidade originou-se da observação da importância dos fatores sexuais na etiologia das neuroses

É relevante lembrar que o psicólogo é um profissional de saúde e tem um papel multiplicador na sociedade. Esse é mais um motivo para que, em sua formação, seja instrumentalizado para desconstruir a visão social que nega a subjetividade da sexualidade e não educa para a demolição de mitos, preconceitos e tabus. No entanto, as faculdades não preparam seus alunos no curso de Psicologia, para lidarem com assuntos como a sexualidade. As instituições formadoras também precisam abandonar a visão tradicionalista e moral, que acaba deixando de preservar a importância da sexualidade na grade do curso.

A sexualidade está presente desde o início da vida e a visão crítica sobre o tema deve servir de estímulo para os profissionais da saúde

Resistência
A segunda categoria — “Dificuldade para abordar a sexualidade em psicoterapia, a partir das respostas referentes à questão ‘Em sua opinião, o que pode levar um psicoterapeuta a ter dificuldades de investigar a sexualidade do paciente em psicoterapia?'” – é representada na tabela 2. É possível observar que 22 participantes têm a convicção de que “problemas pessoais com a própria sexualidade” dificultam a abordagem em psicoterapia.

Não há dúvida de que a sexualidade é um tema que percorre toda a obra de Freud e continua gerando imensas resistências, mesmo nos dias atuais. O que o assunto significa para cada pessoa revela a sua existência subjetiva, inserida na pluralidade inquestionável da natureza humana. E talvez por isso seja marginalizado. Na prática da psicoterapia é imprescindível que o profissional reconheça os diversos destinos da sexualidade, não cabendo a repetição da discriminação muitas vezes sustentada pela sociedade.

Para Freud, é na vida adulta, com a entrada de um superego punitivo, devido a uma educação muito rígida, que ocorre a perda da inocência do sexo

Expressão da sexualidade
Com base na terceira categoria, “Diversidade das práticas sexuais”, foi montada a tabela 3, referente à questão “Como você considera a diversidade das práticas sexuais (homossexualidade, bissexualidade etc.)?” Alguns participantes aceitam a diversidade das práticas sexuais. Porém, há respondentes que, ao classificar a diversidade das práticas sexuais como “inevitável, são opções sexuais”, “consequência da sociedade atual”, “respeita como respeita outras patologias”, “distorção no aprendizado”, “algo que ainda precisa ser estudado” e “com preconceito”, demonstram falta de preparo teórico e prático necessários para desenvolver maior compreensão e visão clínica das variadas formas de expressão da sexualidade.

Isso sugere que as anomalias do superego geracional neutralizam discussões, estudos e esclarecimentos sobre a sexualidade, impedindo o seu reconhecimento como expressão subjetiva de cada indivíduo, pois a sexualidade não tem a carga de malícia que o sexo passa a ter com a educação.

É precisamente em O mal-estar na civilização (1930) que Freud sustenta que a educação não permite que vivamos segundo nosso desejo. Conforme a linha do pensamento freudiano, na vida adulta, com a entrada de um superego punitivo, devido a uma educação muito rígida, ocorre a perda da inocência do sexo. Essa perda conduz à percepção de que as coisas são proibidas, feias e erradas.

Em princípio, se a humanidade se desorganiza, voltando-se só para o prazer, torna-se evidente que pagamos um preço muito alto para nos humanizar, pois a imposição contra o desejo é feita o tempo todo. Isso sugere que a educação avança na zona da fantasia, estruturando o ego para se vincular à sociedade.

Valdivino Alves é Pedagogo, Psicopedagogo, Matemático, Contador, Consultor Tributário, Professor e Escritor. Autor de projetos e livros na área de educação, pesquisador em comportamento da aprendizagem e desenvolvimento da inteligência. Possui graduação em Pedagogia, Matemática, Ciências Contábeis e Direito. Pós-graduado em Educação Matemática Comparada, Pós-graduado em Piscopedagogia Clínica e Institucional e Mestrado em Psicologia Organizacional. Escreve sobre, educação, comportamento e Direito. 
Site: www.valdivinoalves.com.br E-mail: prof.valdivinoalves@bol.com.br

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