Se quisesse decretar independência do restante do estado, o Semiárido baiano dividiria a Bahia em duas partes. Levaria na esteira 265 dos 417 municípios, quase 6,7 milhões dos baianos – o equivalente a 48% da população – e, no entanto, bem menos de um terço da riqueza produzida pelo estado (apenas 28%). Ao final da batalha, não sobraria mais do que um gigante pobre.
É que, entre o rico e bem abastecido litoral de um lado e o oeste da fartura do milho, do algodão e da soja, do outro, boa parte do Semiárido baiano sobrevive no centro como ilha isolada dos grandes polos econômicos por terra, dependente das políticas públicas para não cair em miséria e refém das chuvas que não caem do céu.
O território que hoje se recupera de sua pior seca nos últimos 50 anos, segundo a ONU, reúne municípios com características que vão muito além do baixo índice de chuvas, em geral, abaixo dos 800 mm por ano. Em comum, também, a falta de infraestrutura, seja na falta de um sistema de transporte que interligue a região, na ausência de uma rede que estruture a produção econômica, ou na inexistência de saneamento público na maioria das vezes (menos de 30% dos municípios tem rede de esgoto).
Os números do Censo de 2010 do IBGE mostram o resultado da equação de todos os fatores acima: a Bahia é o estado que abriga, em termos absolutos, o maior número de miseráveis em todo o país.
Os dados mostram que aproximadamente 2,4 milhões de baianos, 15% do total nacional, vivem com uma renda mensal de até R$ 70 na Bahia. Quando o olhar recai sobre o Semiárido baiano, os números são mais alarmantes. É lá onde vivem 61% dos miseráveis baianos, quase 1,6 milhão de pessoas.
atraso Se a seca explica, em parte, a aridez social e econômica do estado, a falta de políticas regionais que observem o potencial de cada município e o fortalecimento de uma teia que interligue e ligue essas regiões ao restante do estado explica a permanência histórica do atraso do Semiárido. É o que aponta o especialista em Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ernesto Galindo.
“Apesar dos inúmeros programas de governo, não existem muitas políticas regionais que levem em conta a cultura e os problemas locais para fazer as mudanças adequadas. Há políticas públicas que, a depender do recorte, acabam incidindo em determinadas regiões. Como as políticas sociais que têm muito impacto nas famílias do Semiárido, ou do programa de aposentadoria rural ou de agri cultura familiar. Não resolve aplicar políticas para agricultores do sul do país no Nordeste, porque não adianta”, explica Galindo.
O isolamento geográfico do Semiárido desemboca na produção da economia. Segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), órgão ligado à Secretaria do Planejamento (Seplan), o PIB do Semiárido beira os R$ 38 milhões, o equivalente a 28% da riqueza produzida pelo estado.
O setor industrial é ainda mais escasso: apenas 18% do PIB da Bahia vem das indústrias do Semiárido. Por outro lado, quase 50% da riqueza agrícola do estado vem do Semiárido. Boa parte do que se come na Bahia vem do Semiárido: de Irecê, Vitória da Conquista, Ribeira do Pombal, Chapada Diamantina, Juazeiro e do Paraguaçu.
Mas a seca castigou muitas dessas regiões. “O prejuízo estimado durante a seca foi de R$ 7,2 bilhões. Esse número representa apenas 4% do PIB baiano, que ficou em R$ 135 bi, mas o impacto disso nos municípios pequenos do Semiárido é devastador”, explica o mestre em economia e assessor técnico da SEI Rafael Cunha.
Uma série de programas está sendo desenvolvida para aproveitar o potencial do Semiárido, na maioria das vezes escondido pela seca. Na agricultura, pesquisas permitiram que o Norte do estado se tornasse um importante polo de agronegócio, com exportação, inclusive, de frutas para a Europa.
Investimentos em energia eólica, da Renova Energia, também já movimentam a região, mesmo antes de entrar em operação. A riqueza do subsolo passou a atrair, nos últimos anos, investimentos bilionários no setor de mineração.
Programas
A verba destinada pelos benefícios sociais do governo federal, em especial aposentadoria e Bolsa Família, tem movimentado o comércio das cidades do Sertão, permitindo a atração de novas empresas e aumento na arrecadação das prefeituras.
“O ICMS de Serrinha quase que dobrou nos últimos quatro anos. O crescimento da cidade chega aos 15% ao ano”,diz o prefeito da cidade, Osni Cardoso, também presidente da Concisal (Consórcio Público de Desenvolvimento Sustentável), que reúne 19 municípios.
Isso se dá, especialmente, segundo Osni, pelos novos pontos do comércio e pelas pequenas fábricas instalados em Serrinha, atraídos em boa parte pelas compras de quem recebe o Bolsa Família e aposentadoria.
Uma ação puxa a outra e Serrinha tem recebido investimentos também em estabelecimentos de ensino. “O Sertão precisa acabar com esse estigma de que não é produtivo. Não crescemos na velocidade que deveríamos pela falta de investimentos do passado. Mas é possível sim mudar”, diz Osni.
Espumante mais vendido no Brasil é produzido no Semiárido
As uvas cultivadas em Casa Nova também despontam como uma preciosidade do Semiárido baiano. O município localizado no Vale do Submédio São Francisco vem se desenvolvendo nos últimos anos como um novo polo vinícola. “Somos uma referência não só nacional, como internacional. A região recebe muitos turistas brasileiros e estrangeiros, e os enófilos, os amantes dos vinhos, saem de vários países para degustar os vinhos in locu”, comemora o pesquisador em enologia Giuliano Pereira, da Embrapa Uva e Vinho/Semiárido.
É na cidade de Casa Nova onde está instalada a única vinícola da Bahia. “A vinícola Miolo-Ouro Verde produz o vinho mais vendido do Brasil, que é o Terranova Moscatel, um espumante branco com 7% de álcool, que caiu nas graças do brasileiro. É um exemplo de sucesso de mercado, que vem sendo adotado por outras vinícolas”, destaca.
Estudos sinalizam ainda que os vinhos dessa região podem trazer mais benefícios à saúde humana. “Os primeiros resultados, em comparação com os obtidos com vinhos de países como França e Argentina, mostram que os vinhos do Vale apresentam teores mais elevados de resveratrol (com influência no combate às doenças do coração)”, disse.
Da iguaria ao minério, quando o Sertão pode dar certo
O chef paulista Leonardo Chiappetta é fã do umbu, típica iguaria do Sertão baiano. “Aprovo com muito orgulho. É uma referência nacional”, elogia. Gosta tanto que encomenda a fruta direto da caatinga mensalmente e até criou uma calda feita com ela. Descendente de italianos, Leonardo serve a receita no Empório Chiappetta, tradicional loja do Mercado Municipal de São Paulo, aberta por sua família em 1908. “Sirvo a calda junto com sorvete e é um sucesso”, conta.
A calda de umbu foi desenvolvida pelo chef há quatro anos, em parceria com a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), que garante um complemento de 30% na renda de 450 famílias do Semiárido baiano durante o ano inteiro. Os 18 produtos do catálogo da Coopercuc também são exportados para França, Itália, Áustria e Alemanha.
Como o CORREIO mostrou, na segunda-feira, cidades do Sertão têm atraído outros investimentos: dos 36 projetos de mineração, 25 estão no Semiárido. A Bahia está em quinto lugar no ranking do país, mas lidera a produção nacional em vários bens minerais. A perspectiva é que o estado deve alcançar até 2015 o terceiro lugar na produção nacional.
Dependência do governo também para empregos
A taxa de ocupação formal no Semiárido é de apenas 28%, segundo o IBGE. Algumas regiões do Semiárido acabam concentrando a maior parte desses empregos, como os polos calçadistas de Jequié e Itapetinga, ou a fruticultura do São Francisco, concentrado em Juazeiro. Porém, a maior parte dos empregos nos municípios do Semiárido, assim como do interior do país, flutua ao redor da administração pública.
Rafael Cunha, da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), afirma que passa pelas cooperativas regionais uma das formas de se buscar soluções particulares para alguns problemas.
“Nada melhor do que os próprios moradores para chamar atenção do governo e da sociedade para a busca de soluções, ou de conclusões de obras estruturantes que desenvolvam o Semiárido. Já há bons exemplos no Brasil”, defende
O pesquisador do Ipea Ernesto Galindo também criticou a forma como foi concebida e distribuída a malha do sistema de transporte do país, deixando às margens do progresso regiões como o Semiárido.
“Infraestrutura não resolve tudo porque integração é uma das coisas mais difíceis de se fazer. Porém, todo o desenvolvimento de transporte no país nunca foi pensado para integração, mas para escoamento produtivo”, lembra.
Fonte/Imagens: Correio da Bahia
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