Mesmo com o corpo maltratado pela hanseníase, a faxineira Maria dos Santos, de 56 anos, passou cinco dias e quatro noites em filas para ser consultada por médicos voluntários, em um mutirão de atendimentos que aconteceu em Condeúba (BA). Ao final da maratona, a “peregrina da saúde” exibia com orgulho os exames realizados, os medicamentos que recebeu gratuitamente e o sorriso de esperança em uma qualidade de vida melhor.
“Alegria é pouco para dizer o que estou sentindo”, diz Maria, uma das milhares de pessoas beneficiadas pelo “Voluntários do Sertão”, organização com sede em Ribeirão Preto (SP) e que pelo 15º ano consecutivo levou atendimento gratuito de saúde aos moradores do sertão baiano. Ao todo, 35 mil serviços foram prestados à população da cidade e de povoados próximos.
Durante uma semana, o G1 acompanhou todo o trabalho de 340 voluntários, distante 1,3 mil quilômetros de casa, entre consultas nas áreas de ortopedia, dermatologia, cardiologia, pediatria, urologia, ginecologia, fonoaudiologia, odontologia, oftalmologia, além de exames laboratoriais, de mamografia, ultrassom, eletrocardiograma e cirurgias de pequeno e médio porte. Os moradores também receberam orientações jurídicas sobre previdência social, união estável e palestras de higiene bucal.
“Para conseguir consulta na cidade é muito difícil. Já teve exame meu que ficou um ano para ser feito. Para mim (sic) passar em um médico, demorou quase seis meses. Esses voluntários são abençoados”, afirma Maria, que foi consultada por especialistas de quatro áreas, realizou exame de mamografia, um procedimento cirúrgico para retirada de verrugas e ainda restaurou seis dentes careados. Tudo de graça. “Agora, vou viver até os 100 anos”, brinca.
De volta à terra natal
Depois de passar por Caetité (BA), Carinhanha (BA), Malhada (BA), Encruzilhada (BA), Anagé (BA) e Una (BA), e realizar mais de 168 mil atendimentos médicos gratuitos, o “Voluntários do Sertão” retornou ao local onde nasceu. No fim de abril, Condeúba e o distrito de Alegre receberam a equipe solidária de braços abertos.
Assim que os voluntários tocaram o solo da cidade com pouco mais de 18 mil habitantes, na tarde de 18 de abril, como que em procissão, as pessoas começaram a caminhar pelas ruas de terra carregando bancos, cadeiras e colchões nas mãos, em busca dos atendimentos de saúde.
Longas filas começaram a se formar em cada um dos oito pontos de atendimento montados em escolas, ginásios poliesportivos, centros comunitários e praças, a poucos quarteirões uns dos outros. Com a ajuda de voluntários da própria cidade, os espaços foram transformados em centro de triagem, clínica de especialidades, de oftalmologia, de ginecologia, de odontologia, de pediatria, centro cirúrgico, e até um centro de orientação jurídica e previdenciária.
“Os pacientes sempre passam por uma triagem antes de serem direcionados, de acordo com o caso. Então, só após essa “pré-consulta” eles vão para os consultórios. E quando a gente se depara com a necessidade de um exame ou uma cirurgia, por exemplo, os outros pontos estão próximos e o deslocamento é mais rápido”, explica o médico Thiago Castellane Arena, coordenador da clínica de especialidades.
A cada ano, uma cidade do sertão baiano é escolhida para receber os “Voluntários do Sertão.” O projeto teve início em 2000, quando o presidente da organização, o empresário Doreedson Ribeiro Pereira – ou simplesmente Dorinho -, decidiu levar brinquedos e cestas básicas aos conterrâneos de Alegre, distrito de Condeúba, onde viveu até os 14 anos, quando se mudou para o interior de São Paulo.
Em 2001, com apoio de amigos, Dorinho conseguiu levar – além dos brinquedos e alimentos – bicicletas para serem sorteadas entre as crianças do povoado. Ano a ano, o projeto foi se tornando maior, até que, em 2006, com apoio de médicos parceiros, foram realizadas 500 consultas oftalmológicas e 111 cirurgias de catarata gratuitamente à população do distrito. Era o primeiro grande passo do “Voluntários do Sertão”.
Como Dorinho ainda não contava com a estrutura atual, os primeiros procedimentos foram realizados na casa dos pais mesmo. A sala foi adaptada para realização das consultas e um dos quartos foi totalmente esterilizado para as cirurgias. A residência humilde não suportava tanta gente e a fila de pacientes tomou a calçada.
“Eu sou nascido nessa região e conheço a dificuldade dessas pessoas. Para eles, R$ 1 faz falta para alimentar a família. Então, com o decorrer do tempo, eu percebi que poderia fazer mais, principalmente com a ajuda de parceiros que doavam brinquedos, comida, remédios”, diz Dorinho.
Em 2007, seis anos após o primeiro mutirão, os atendimentos somavam 11 mil e, no ano seguinte, chegaram a 16 mil. Em 2009, pela primeira vez o projeto saiu de Condeúba e foi levado a Mortugaba (BA), a 740 quilômetros da capital baiana. Em apenas cinco dias foram realizados 19 mil procedimentos cirúrgicos e consultas médicas.
“A gente foi vendo o projeto crescer, o número de voluntários aumentar cada vez mais e eu me entreguei de corpo e alma ao voluntariado. Hoje, a gente conta com carretas, parceiros que doam os materiais necessários. Então, quando a gente chega à cidade, a estrutura já está praticamente pronta. O movimento cresceu e se profissionalizou”, afirma Dorinho.
Sem pressa
Em Condeúba, a vontade ou a necessidade de ser atendido por um especialista era tanta que alguns moradores chegaram a esperar até 12 horas nas filas, como no caso dos pacientes ansiosos por uma cirurgia de catarata. Encontrar pessoas dormindo em finos lençóis estirados sobre a terra não era uma cena incomum. Inclusive idosos com mais de 80 anos passavam a noite apenas se alimentando com água e tapioca, ou beijú, como eles chamam na Bahia, a espera de atendimento.
Nos rostos, castigados pelo sol e carregados de histórias emocionantes, não havia tristeza. Os olhos tinham um brilho de alegria e esperança. “Abaixo de Deus, só esses doutores que vêm de tão longe para atender a gente”, disse a dona de casa Maria de Lourdes de Jesus, de 71 anos, enquanto aguardava pela consulta com o ortopedista, sentada na calçada ao lado do marido, o lavrador aposentado Idalino José da Silva, de 82 anos.
Idalino sofreu dois derrames, que o deixaram “bastante esquecido das coisas”, como conta a mulher. Também quebrou uma das pernas no ano passado, após uma queda. Por isso, outro paciente que também aguardava na mesma fila lhe emprestou uma cadeira, para que ficasse mais confortável. “Nem tem como agradecer o que esses médicos faz (sic) pela gente”, disse.
Fonte: Adriano Oliveira – G1 Ribeirão e Franca
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