Aos 30 anos, a dona de casa Jesuína Sousa Silva precisa lidar todos os dias com um drama – a escassez de recursos para alimentar os seis filhos, três meninos e três meninas – o menor com sete meses e o mais velho com 11 anos. Conseguir alimento para tantas bocas famintas ou encontrar água para matar a sede são tarefas das mais árduas. Em terra castigada pela seca, nem tudo o que se planta, colhe.
O G1 conheceu a história de Jesuína ao acompanhar o trabalho da organização Voluntários do Sertão em Condeúba (BA), em abril deste ano.
Na casa simples na zona rural do município, distante 1,3 mil quilômetros de Ribeirão Preto(SP), cidade-sede do grupo, Jesuína descreveu o sentimento de impotência frente à dura realidade. “A gente não leva vida fácil, não. Criar os filhos nem é o problema, porque a gente já foi criança também. Mais difícil é dar de comer, não poder dar as coisas que eles pedem, ter que dizer não.”
O pesar que carrega e o semblante triste não lhe permitem sorrir, nem mesmo quando provocada para a foto da reportagem. Ela já teve sete filhos. A mais velha morreu ainda bebê, em 2003. “Não sei o que é que foi não. Só sei que ficou doentinha e morreu”, disse.
Jesuína, o marido e os seis filhos moram em uma casa de quatro cômodos. A viagem do sítio à cidade leva em torno de uma hora pela estrada de terra, a única que existe no local. Um caminho que ela cansou de percorrer quando sentia as contrações dos partos. Após o nascimento do caçula, hoje com sete meses, o médico recomendou que ela fizesse uma laqueadura, cirurgia contraceptiva. “Ele falou que era melhor eu operar porque já tenho muito filho e ainda sou nova, né?!”, disse.
Mas a recomendação médica acabou ficando para depois, porque não havia dinheiro para o procedimento em Vitória da Conquista (BA), a 200 quilômetros da fazenda, onde está o hospital mais próximo equipado com centro cirúrgico e capaz de atendê-la pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O destino, no entanto, reservou uma surpresa solidária à Jesuína no mês passado, quando o Voluntários do Sertão chegou a Condeúba. Os especialistas estavam focados no mutirão de consultas, exames e cirurgias de pequeno porte e médio porte, como vasectomias, fimoses, hérnias, procedimentos dermatológicos e a tão importante laqueadura.
Ao todo, foram realizadas 430 diferentes cirurgias, e Jesuína foi finalmente operada. “Seis filhos já está bom, ainda mais com essa vida que a gente leva. Minhas crianças são tudo pra (sic) mim”, disse a dona de casa, que voltou para o sítio da família um dia após a operação, sob a orientação de permanecer em repouso absoluto. “Meu marido vai cuidar de tudo”, garantiu.
Dura realidade
Durante a semana em que os “Voluntários do Sertão” estiveram em Condeúba, muitas “Jesuínas” passaram pelos corredores do hospital municipal da cidade. É o que conta a instrumentadora Cilay Lunardello Pinheiro de Freitas, coordenadora da equipe cirúrgica, formada por 30 profissionais, entre médicos, anestesistas, enfermeiros e auxiliares.
Por Cilay passaram todos os prontuários, recomendações e decisões. “É um trabalho duro, mas poder participar e ajudar essas pessoas é gratificante. Eu deixo o meu serviço, a minha família, fico sem internet, sem televisão, sem saber o que está acontecendo no mundo e, mesmo assim, não tenho como expressar a alegria que eu sinto”, afirmou.
Cilay desembarcou em Condeúba dois dias antes dos demais voluntários e com apoio de parte da equipe montou todos os equipamentos do centro cirúrgico, que funcionou dentro do hospital. A instituição possui um espaço apropriado para a realização desses procedimentos, mas as salas nunca haviam sido utilizadas desde que o prédio foi construído, há sete anos.
“Nós pedimos para providenciar cama cirúrgica, iluminação, rede de gás para anestesia, não tinha nada. O centro cirúrgico era como uma casa abandonada”, disse a instrumentadora, que também participou do processo de triagem dos pacientes, com apoio dos coordenadores das clínicas médicas de especialidades.
Estrutura
Diariamente, as cirurgias começavam a ser realizadas pontualmente às 8h e não tinham hora para terminar. Isso porque, apesar de existir um número determinado de pacientes que seriam atendidos por dia, não eram raras as vezes em que um caso de urgência era encaminhado ao hospital.
“As salas nunca ficam vazias, os médicos não ficam parados um minuto. A central de material trabalha a todo vapor. Tudo funcionou como um hospital de uma grande cidade”, disse Cilay, que contava com o apoio e o comprometimento de todos os profissionais da equipe, entre eles a ginecologista e obstetra Gianny Bordin, de 44 anos, voluntária pela sexta vez.
Gianny contou que todo ano se programa com antecedência, reservando os dias de atendimento voluntário na agenda da clínica particular em que trabalha em Ribeirão Preto. Para ela, mais do que poder ajudar outras pessoas, participar do projeto é uma oportunidade de aprender.
“Uma das coisas que eu aprendi durante esses seis anos foi agradecer pelas coisas que eu tenho. Uma vez eu estava realizando um atendimento na zona rural e uma menina perguntou se eu bebia água todo dia. Eu percebi que a gente tem tudo e não agradece por nada. No sertão, eles não têm nada e agradecem por tudo. Apesar das dificuldades, são um povo feliz”, disse.
Gratidão
As palavras da médica ganharam significado no sorriso franco da pequena Giovanna Pereira da Silva, de 3 anos. Mesmo sabendo que passaria por um procedimento cirúrgico para retirada de um cisto na sobrancelha, Giovanna não se deixou abater, no corredor do hospital.
Brincando com a garota no colo, a mãe também sorria e agradecia aos voluntários pelo carinho com que a filha era tratada. “A gente vê esses médicos fazendo tudo com tanto amor. Os médicos que trabalham pelo SUS não atendem dessa forma, não têm essa motivação. Talvez nem por plano privado ela fosse tão bem acolhida como foi no “Voluntários do Sertão’”, disse a dona de casa Sandra Pereira da Silva, de 26 anos.
A família mora em Piripá (BA) e chegou a pagar R$ 280 por uma consulta particular com um pediatra em Vitória da Conquista, na esperança de conseguir solucionar o problema estético de Giovanna. O médico disse que as únicas alternativas seriam realizar a cirurgia pelo sistema privado, ao custo de R$ 3,5 mil, ou aguardar na fila do SUS.
Sem condições financeiras para arcar com o procedimento, Sandra optou por esperar o mutirão de voluntários em Condeúba. “Foi tudo tão rápido e prático, que eu nem acreditei. Só por Deus mesmo”, afirmou.
Fonte: Adriano Oliveira – G1 Ribeirão e Franca
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