Wilton Batista de Souza conta que desde criança nunca teve o hábito de escovar os dentes após as refeições. Antes de dormir então, nem se fala. O único momento do dia em que ele chega perto da pia do banheiro para fazer a higiene bucal é ao acordar, e ainda confessa – envergonhado – que nem sempre usa o fio dental. Resultado: aos 13 anos, o estudante desenvolveu cáries em três dentes no centro da boca.
A mãe, a dona de casa Iracema Neves Batista, de 37 anos, tentou levá-lo para tratar o problema em uma clínica particular, mas, ressabiado, Wilton não deixou o dentista nem começar o procedimento. Sem saber o que fazer e vendo a situação piorar, Iracema recorreu ao mutirão de atendimento gratuito realizado pela organização “Voluntários do Sertão”. Em quatro dias, Wilton ganhou um novo sorriso.
Durante uma semana, o G1 acompanhou todo o trabalho de 340 voluntários, distantes 1,3 mil quilômetros de Ribeirão Preto (SP), cidade-sede da organização.
“Eu fiquei com medo porque, na clínica, quando foi dar a anestesia, doeu muito. Aqui eu deixei. O doutor foi legal comigo e nem doeu nada”, disse o adolescente ao lado da mãe, que também foi atendida por um dentista voluntário em Condeúba, no sertão da Bahia. “Eu gostei muito. Se a gente fosse em consultório (sic) não ia gastar menos que R$ 1,5 mil. Isso aqui é uma benção”, afirmou a dona de casa.
A história de Wilton é apenas uma entre milhares de pacientes que voltaram a sorrir sem medo ou a comer sem sentir dor, como há muito tempo não faziam, por causa de problemas odontológicos. Pessoas humildes que viajaram até 100 quilômetros em estradas de terra para sentar na cadeira de um dentista e ali, em um lugar temido por muitos, ganhar a autoestima de volta.
“Eu tinha vergonha de rir com os dentes estragados. Agora, ficou melhor para conversar com as pessoas. Nem preciso mais colocar a mão na frente da boca”, disse a dona de casa Janete Moreira Braga, de 26 anos, sem esconder o riso frouxo de alegria, mesmo após extrair um dente comprometido. “Parou de doer, incomodava muito.”
Janete mora na zona rural de Condeúba com o marido, a filha de 5 anos, o sogro e a sogra. Para ser atendida, precisou dormir na casa de uma cunhada na cidade e enfrentou uma longa fila desde o início da manhã. A senha que ela segurava nas mãos só foi chamada quando o sol começava a se por atrás das duas carretas da clínica odontológica, montadas na Praça do Forró.
“Achei que não tinha mais jeito, mas o dentista foi muito legal. Eles sabem tratar bem as pessoas. O atendimento foi excelente, melhor do que eu esperava”, disse a dona de casa, que também restaurou dois dentes superiores. Todo o trabalho foi concluído em duas consultas em dias consecutivos. “Valeu a pena.”
Vaga disputada
Ao lado de oftalmologia e de especialidades médicas, os atendimentos de odontologia são os mais concorridos durante os mutirões realizados pela organização “Voluntários do Sertão”, que há 15 anos leva serviços gratuitos de saúde, durante uma semana, aos moradores do sertão baiano.
Em Condeúba, no fim do mês de abril, a equipe formada por 32 profissionais atendeu 1,3 mil pacientes. Ao todo, foram 12,4 mil procedimentos realizados, entre extrações, restaurações, canais, raspagens, limpeza e pequenas cirurgias.
“O principal objetivo é devolver a autoestima e a capacidade mastigatória para essas pessoas. Isso em meia hora, porque cada profissional atende 12, 15 pacientes por dia. A gente tem que promover saúde, tirando os focos de infecção, e reabilitar, devolvendo estética e função aos dentes”, explica o dentista Marcelo Rodrigues Alves, que há cinco anos deixa família e trabalho para se dedicar aos pacientes baianos, voluntariamente.
Alves destaca que a falta de higiene bucal ainda é o principal problema encontrado entre os moradores do sertão, mas afirma que nem sempre isso acontece por falta de orientação. “Existe uma cultura entre as pessoas de que escovar os dentes não é importante. Quando o paciente percebe o problema, boa parte dos dentes já está comprometida”, diz.
Por isso, o dentista afirma que a extração e a reconstrução dentária foram os procedimentos mais realizados. “A gente tem que estar preparado para reconstruir os dentes de forma rápida e duradoura. Em lugares como esses que a gente visita, o nosso trabalho faz a diferença e a recompensa é justamente ver o trabalho mudar a vida das pessoas. Isso é o que torna o voluntariado mais gratificante”, conclui.
Fonte: Adriano Oliveira – G1 Ribeirão e Franca
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