Meninas podem ser o que quiserem, inclusive matemáticas

Fiz o pós-doutoramento em Princeton (EUA) nos anos 1990. Na época, professoras de matemática em uma universidade desse nível eram novidade e raridade. Perguntei à respeitada Alice Chang se ela já havia se sentido discriminada na carreira por ser mulher. Um colega se antecipou e respondeu por ela: “Quando discutíamos a possibilidade de contratar a Alice, vários colegas disseram: ‘Se vamos ter mesmo que aturar uma mulher aqui, então que seja ela’.”

Emmy Noether (1882-1935), a mulher que foi um dos matemáticos mais notáveis do século 20, enfrentou muita dificuldade para conseguir um emprego na universidade. Só conseguiu porque tinha um padrinho influente, o grande matemático David Hilbert, também alemão. Ela foi, em 1932, a primeira mulher a dar uma palestra plenária (principal) no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM). O ICM acontece a cada quatro anos e cerca de vinte matemáticos recebem essa distinção em cada edição – a próxima será em 2018, no Rio de Janeiro.

Mas a segunda mulher plenarista, a americana Karen Uhlenbeck, só seria convidada quase sessenta depois, em 1990. Eu estava lá. Uhlenbeck mencionou ter contado a um colega que seria a primeira mulher a dar uma palestra plenária desde Emmy Noether. Surpreso, o rapaz respondera que nem sabia que ele (Noether) tinha sido plenarista.

A russa Sofia Kowalevski (1850-1891) viveu situação parecida com a da alemã. No seu caso, o fiador foi o influente sueco Gösta Mittag-Leffler. De Kowalevski se dizia que era demasiado bonita para ser matemática.

Muita coisa mudou, evidentemente, mas as mulheres continuam sendo minoria no mundo matemático, sobretudo nos escalões superiores. Dos 56 ganhadores da Medalha Fields, a maior distinção da área, só um é mulher: a irano-americana Maryam Mirzakhani, premiada em 2014. Até no magistério, tradicionalmente “feminino”, a matemática é exceção: as turmas do mestrado profissional em matemática (Profmat) são esmagadoramente masculinas.

A explicação não parece simples.

Claro que enquanto os homens forem maioria, tomarão as decisões e pode-se intuir que tendam a favorecer outros homens. De fato, estudos mostram que dossiês idênticos recebem melhores avaliações quando o candidato é homem. Trocar o nome “João” por “Maria” basta para que a nota piore! Mas o fenômeno é sutil e complexo: esses estudos também mostram que as notas de candidatas do sexo feminino tendem a ficar ainda piores quando quem avalia são outras mulheres!

Depois, mulheres assumem parte desproporcional do trabalho doméstico. Quando perguntei a uma amiga professora universitária se havia sido discriminada, disse: “Não, até o dia em que tive uma filha. Aí comecei a frequentar as reuniões de pais, que são aqueles encontros no colégio a que só mães vão.”

Outras barreiras são mais difíceis de decifrar, como no caso da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, organizada pelo Impa. Anualmente, 18 milhões de jovens, praticamente todos os alunos de escolas públicas a partir do 6º ano, participam da 1ª fase. Os 5% com melhor nota de cada colégio passam à 2ª fase. A boa notícia é que aí há equilíbrio: metade dos selecionados são meninas.

Mas na fase final, a paridade é quebrada: as meninas são uma minoria entre os medalhistas. Pior, o percentual cai com a idade. Entre as medalhas de ouro de 2016, as meninas foram 30% no nível 1 (6º e 7º anos), 21% no nível 2 (8º e 9º anos) e apenas 14% no nível 3 (ensino médio). Os resultados em anos anteriores foram semelhantes. Não sabemos o porquê, mas as medalhistas explicam que “os meninos são muito mais incentivados”.

Está na hora de dizermos a nossas filhas que elas podem ser o que quiserem, inclusive matemáticas. A matemática precisa delas.

Voltei a Princeton anos depois para dar uma palestra sobre meu trabalho. No jantar que se seguiu, ao ouvir que vários de nós eram casados com matemáticas, o anfitrião interveio, categórico: “Eu nunca casaria com uma matemática!” Ficamos mastigando em silêncio constrangido, por longos minutos. Até que ele se explicou. “Afinal, supõe-se que esposas sejam pessoas agradáveis!”

Valdivino Sousa

Valdivino Sousa é Professor, Matemático, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Psicanalista e Escritor. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Autor de mais de 15 livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais. É programador Web e editor do blog Valor x Matemática Computacional, Produtor de Conteúdo e Colunista Mtb 60.448. Semanalmente escreve para o portal D.Dez, R2 Nacional e Opa! Já Publiquei, sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. Site: https://www.matematicosousa.com.br E-mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Cel Whatsap: 11–9.9608-3728
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