Pesquisas nos dias anteriores à eleição ficaram longe dos resultados

Pesquisas nos dias anteriores à eleição ficaram longe dos resultados que saíram das urnas no primeiro turno. As sondagens eleitorais feitas pelos institutos de pesquisa nos dias anteriores à eleição não deram certo, ou seja, não bateu com o resultado esperado, estatísticas, redes sociais e manipulação de eleitores essas são as fontes em que os institutos estão fazendo nessa eleição. No Rio de Janeiro, as sondagens  de intenção de votos para governador indicavam uma disputa acirrada entre Romário e Eduardo Paes. Apurados os votos, apareceu largamente em primeiro lugar um obscuro candidato que nas sondagens aparecia numa longínqua terceira posição, ficando Romário fora da disputa.

Na disputa para o Senado no Paraná, Minas Gerais e S.Paulo, Roberto Requião, Dilma Roussef e Eduardo Suplicy, respectivamente, que apareciam largamente na frente em todas as sondagens foram surpreendentemente derrotados nas urnas.

Nas avaliações das intenções de voto para presidente, nenhuma sondagem previu que o Cabo Daciolo ficaria na frente de Henrique Meirelles e Marina Silva, nem previu que Alckmin só teria a metade dos votos previstos pelas pesquisas prévias.

Finalmente e mais importante, as sondagens não previram a quase vitória no primeiro turno do candidato Bolsonaro.

Como explicar tantos erros de avaliação?

Primeira tentativa de explicação

Poderíamos pensar que a amostragem foi feita de maneira errônea. Há dois tipo de erros óbvios.

O primeiro é a pesquisa ter se baseado numa amostra que não represente de maneira fiel a diversidade entre regiões eleitorais. Um exemplo extremo seria acharmos que na cidade de S.Paulo os Jardins ou o bairro do Itaim são representativos do conjunto da cidade. Uma simples observação direta dos resultados eleitorais mostra que não é assim. As proporções de votos dos candidatos H e B no Itaim são muito diferentes das proporções encontradas em Itaquera.

Outra possibilidade seria o tamanho da amostra ser insuficiente para estimar com precisão as proporções de eleitores de um e outro candidato naquela região. Com efeito, a pesquisa de intenções de votos é baseada num teorema matemático conhecido como Lei dos Grandes Números. Esse teorema  diz que as proporções estimadas nas amostras convergem para o valores das proporções efetivamente presentes na população quando o tamanho da amostra cresce. Em outras palavras, as proporções estimadas só terão valores próximos ao das proporções presentes em toda a população se o tamanho da amostra for suficientemente grande.

Terão todos os institutos de pesquisa incorrido num desses dois erros?

O que nos diz a pesquisa de boca de urna?

A pesquisa de boca de urna feita pelo IBOPE no dia mesmo da eleição apontou com muita precisão o resultado que sairia efetivamente das urnas. Ora, a pesquisa de boca de urna usa exatamente a mesma decomposição em cidades e grupos sociais utilizada pelas pesquisas feitas nos dias anteriores. E o número de entrevistados na boca de urna é da mesma ordem de grandeza que o número de entrevistados antes da eleição.

Ou seja,  o acerto da pesquisa de boca de urna sugere fortemente que a escolha de cidades e grupos sociais utilizada pelos institutos reflete corretamente a diversidade entre regiões e grupos sociais brasileiros. Sugere também que o número de eleitores entrevistados nas pesquisas dos dias anteriores era também suficientemente grande para apontar com precisão o resultado da eleição.

O que pode, então, ter dado errado?!

A pista da manipulação nas redes sociais.

Essa pista foi levantada por uma pesquisa feita por três pesquisadores brasileiros, Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa, Fabrício Benvenuto, cientista da computação e professor da UFMG e Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisador na área de políticas públicas para o acesso à informação. O objetivo desse trabalho era estudar a utilização de redes sociais para influenciar as eleições de 2018 no Brasil. Essa pesquisa foi por eles relatada num artigo para o jornal New York Times, publicado no dia 17 de outubro de 2018, seguido por uma longa reportagem do New York Times no dia 19 de outubro de 2018.

Mas o artigo de maior repercussão sobre o caso, foi publicado com grande destaque pela Folha de S.Paulo no dia18 de outubro. Trata-se de um artigo da jornalista Patrícia Campos Mello cujo título é: Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp.  

Aqui os leitores poderiam se perguntar o que a utilização do aplicativo WhatsApp tem a ver com os erros nas predições dos institutos de pesquisa.

Mauro Paulino, diretor do instituto DataFolha sugere a resposta a essa pergunta. Num texto publicado em sua conta no Twitter ele diz:

“PESQUISAS ELEITORAIS evidenciaram a impulsão da onda nos momentos finais. RJ, MG e DF são claros exemplos. Ao se comparar as fotos das vésperas, registradas por Ibope e Datafolha, em comparação com a foto das urnas, o fenômeno é claramente explicitado.”

Em outras palavras, ele diz que na véspera da eleição ocorreu uma mudança nas proporções de opiniões identificada pela amostra. As pesquisas publicadas até a véspera da eleição refletiam as proporções presentes na população até um ou dois dias antes da eleição. Aí na véspera da eleição essa proporção foi alterada, resultando na composição revelada pela apuração dos votos.
O que provocou essa alteração?!
A jornalista Mônica Bergamo em sua conta Twitter sugere a resposta:

“A perplexidade geral dá lugar a uma explicação racional, hoje, na Folha, que mostra como empresários bancam disparo de mensagens nas redes de forma ilegal.”

Os comentários de Paulino e Bérgamo sugerem que a campanha feita pelo WhatsApp nos dias que antecederam a eleição provocaram uma mudança nas intenções de voto, tornando-as diferentes daquelas estimadas nas pesquisa prévias.

Como isso é possível? Para avançar nessa discussão é indispensável um quadro matemático.  É esse quadro que nos permitirá explicar a discrepância observada, mostrando como a campanha feita através do  WhatsApp pode ter alterado os resultados eleitorais.

Um modelo matemático para a evolução das opiniões do conjunto de eleitores.

Há um modelo matemático clássico que descreve a evolução das intenções de votos de uma população de eleitores que podem escolher entre dois candidatos, sem direito a voto em branco ou nulo.  Trata-se do famoso Modelo do Votante, introduzido em 1975 pelos matemáticos Richard Holley e Thomas Liggett, através de um artigo publicado na importante revista matemática The Annals of Probability.

Nesse modelo cada eleitor pode (e deve) escolher entre dois candidatos. A opção de cada eleitor pode mudar ao longo do tempo sob a influência de algum de seus vizinhos escolhido ao acaso. Nesse modelo cada eleitor pode ser influenciado e ao mesmo tempo influenciar cada eleitor seu vizinho. Isso ocorre com todos os eleitores, sem que haja nenhum bloqueio que impeça um eleitor de levar em consideração a opinião de um vizinho.

Pode-se dizer que esse é um modelo de uma sociedade sem ódios, no qual o diálogo corre livremente, com as opiniões passando de um a outro eleitor ao longo do tempo. Bem diferente daquilo que ocorre no Brasil hoje em dia, em que simples conversas sobre escolhas de candidatos podem acabar em assassinatos.

Uma descrição mais detalhada desse modelo está fora do objetivo deste artigo. No entanto, podemos resumir seu resultado básico.

Vamos supor que todos os eleitores tenham essencialmente o mesmo número de vizinhos. Com essa hipótese, há duas situações que podem ocorrer, à medida que o conjunto de opiniões dos eleitores evolui ao longo do tempo.

Uma evolução possível é o conjunto de opiniões dos eleitores convergir para uma situação em que coexistem estavelmente eleitores que apoiam um candidato ou o outro. Mais precisamente, a proporção de eleitores que apoiam cada um dos candidatos não se altera ao longo do tempo, embora eleitores individuais mudem repetidamente de opinião.

A situação descrita acima pode ser considerada a ideal numa democracia. Opiniões coexistem e são assumidas alternativamente por todos os eleitores.

Outro tipo de evolução é todas as opiniões ficarem iguais à medida que  tempo passa. Ou seja o sistema de opiniões converge para a unanimidade. O que parece ser uma situação pouco desejável para a democracia. E que encontra eco no discurso autoritário de um dos candidatos presentes no segundo turno, que disse domingo passado que seus oponentes teriam que escolher entre se submeter às suas idéias ou ir para a cadeia, ou ainda para o exílio!

Do que depende o modelo evoluir de uma ou de outra maneira? Depende da estrutura do conjunto de vizinhanças.

A estrutura do conjunto de vizinhanças pode permitir que, com probabilidade positiva, sejam distintas as origens remotas das opiniões atuais de dois eleitores quaisquer. Se assim for estaremos, no sistema democrático ideal em que opções de votos distintas coexistem estavelmente.

Porém, se a estrutura do sistema de vizinhanças obrigar que as origens remotas das opiniões atuais de dois eleitores quaisquer coincidam, então cairemos na ditadura do pensamento único.

Estou falando de  teoremas matemáticos, demonstrados cerca de quarenta anos atrás. Coloco no final deste artigo algumas referências básicas que permitirão ao leitor interessado aprender um pouco mais a esse respeito.
O que é importante sublinhar é que esses teoremas de quarenta anos atrás servem de ponto de partida para entendermos o que está ocorrendo nas eleições brasileiras de 2018.

Influenciando as eleições de 2018.

Como as redes sociais e principalmente o WhatsApp afetam o quadro descrito pelo Modelo do Votante?

O primeiro efeito tem a ver com o sistema de vizinhanças dos diversos eleitores. Lembro que havíamos suposto que todos os eleitores tinham essencialmente o mesmo número de vizinhos. As redes sociais alteram isso claramente. A vizinhança de um eleitor que antes se resumia a seus amigos, parentes, colegas de trabalho e vizinhos de rua, agora passa a incorporar todos os supostos “amigos” da rede social.

O mais grave é que institutos internacionais de manipulação de opinião formatam “vizinhanças’ sob medida para cada eleitor, em função de informações obtidas, por exemplo, no Facebook. Essa vizinhança feita sob medida explora traços psicológicos, escolhas anteriores do eleitor capturado na teia. Esse é o segundo efeito das redes sociais sobre a dinâmica de interação entre eleitores que existia previamente.

Nessa vizinhança artificial não há lugar para o debate de idéias entre cidadãos. Em vez disso, o eleitor capturado na teia, ouve o discurso artificial de robôs que repetem incansavelmente a mesma posição política, apresentando-a no formato mais adequado à psicologia do candidato. Foi para isso que o instituto de manipulação analisou previamente os perfis disponíveis na rede, escolhendo os eleitores mais facilmente influenciáveis por certo tipo de discurso primário.

Onde antes havia eleitores que se influenciavam mutuamente, há agora robôs que repetem sempre as mesmas mensagens a eleitores escolhidos em função de seus perfis psicológicos.

Como robôs não são influenciáveis, nem mudam de opinião, em vez de debate de idéias, temos agora idéias únicas e fixas que se propagam, agindo sobre eleitores capturados em teias de aranha. Dentro desse sistema de vizinhanças artificiais todas as opiniões tem a mesma origem. Todas repetem o discurso de um grande manipulador.

E isso explica muito bem o que pode ter acontecido na véspera do primeiro turno das eleições de 2018.

Conclusão?

Apesar dos antecedentes da votação do Brexit e da campanha de Trump, essa guerra de opinião através das redes sociais não tinha sido realmente previsto pelo TSE. No máximo foram feitas inócuas declarações públicas contra fake-news. Mas as fake-news distribuídas via WhatsApp não podem ser coibidas se a empresa que gerencia o sistema não se interessar pelo caso e não fizer uma busca sistemática de robôs e redes de contas que propagam as mensagens de algum manipulador.

E o pior é que diante de uma eventual vigilância do WhatsApp, nada impede os manipuladores de migrarem para uma outra plataforma.

O que fazer?

De imediato pode-se cobrar do TSE que atue em relação a algo que é um crime eleitoral caracterizado. Com efeito, empresas privadas pagarem,  por baixo do pano, campanhas em favor de um candidato é crime eleitoral. Esse crime pode custar o registro da chapa e mesmo o mandato para o qual esse candidato  tiver sido eleito, caso o julgamento do caso ocorra após a eleição.

Pedir que o TSE aja nesse sentido é uma ação que deve ser adotada pelos cidadãos indignados com a possibilidade de fraude sugerida pela reportagem da Folha de S. Paulo

Em seguida,  é preciso que o sistema judiciário e a sociedade discutam como enfrentar essa possibilidade de manipulação em larga escala. E nessa discussão, matemáticos, estatísticos, cientistas de computação e cientistas sociais devem assumir suas responsabilidades e utilizar seus conhecimentos científicos em prol da democracia.

 

Referências
https://www.nytimes.com/2018/10/17/opinion/brazil-election-fake-news-whatsapp.html?module=inline

https://www.nytimes.com/2018/10/19/technology/whatsapp-brazil-presidential-election.html

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml

https://twitter.com/folha/status/1052800706065944577 

R.A. Holley e T. M Liggett, Ergodic theorems for interacting infinite systems and the voter model, Annals of Probability, vol. 3, pag. 643-663, 1975 (https://www.jstor.org/stable/2959329?seq=1#metadata_info_tab_contents)

Liggett, T.M. (1999). Stochastic Interacting Systems: Contact, Voter and Exclusion Processes. Springer. ISBN 3-540-65995-1.

 

Valdivino Sousa é Contador, Matemático, Pedagogo, Psicanalista, Bacharel em Direito, Escritor e Mestrado em Ciências da Educação Matemática. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Docente nos cursos de Matemática, Ciências Contábeis, Administração e Engenharia. Autor de mais de 10 (dez) livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais especializados. Blogueiro Mtb 60.448, Consultor e Estrategista de Mídias Digitais. Semanalmente escreve para o portal D.Dez, Jornal da Cidade e Folha Online. Sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. Tem experiência na área de Matemática, com ênfase em Equações Diferenciais Parciais, Matemática Computacional e Engenharia Didática, atuando principalmente nos seguintes temas: métodos numéricos, equações diferenciais, modelagem, simulações e didática no ensino de matemática. Acesse o site: www.matematicosousa.com.br E-Mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Whatsap: 11 – 9.9608-3728

 

Valdivino Sousa

Valdivino Sousa é Professor, Matemático, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Psicanalista e Escritor. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Autor de mais de 15 livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais. É programador Web e editor do blog Valor x Matemática Computacional, Produtor de Conteúdo e Colunista Mtb 60.448. Semanalmente escreve para o portal D.Dez, R2 Nacional e Opa! Já Publiquei, sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. Site: https://www.matematicosousa.com.br E-mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Cel Whatsap: 11–9.9608-3728
AVISO: O conteúdo de cada comentário é de única e exclusiva responsabilidade do autor da mensagem.

Deixe um comentário

Adicione seu comentário abaixo . Você também pode assinar estes comentários via RSS.

Seu email não será divulgado. Os campos que estão * são obrigatórios.