Como o cérebro desenvolve habilidades cognitivas para lidar com os números? como isso ocorre na plasticidade cerebral, como cultura temos hábito de achar que aprender matemática é difícil para qualquer criança.
Alguns pesquisadores tentam diferenciar da leitura e escrita, e quando deparamos com uma criança que aprende a falar antes da idade esperada é considerada unanimemente pelos neurocientistas como uma habilidade humana inata, possibilitada pela evolução do cérebro.
A matemática, como a leitura e a escrita, é uma habilidade cognitiva muito recente, e por isso só pode ser explicada como um resultado da cultura possibilitada pela plasticidade cerebral, isto é, a “adaptação” dos circuitos neurais por meio da aprendizagem.
O esforço cognitivo que a criança realiza para aprender matemática, portanto, é maior do que para falar, e envolve muitas áreas cerebrais conectadas em redes. Muitas regiões cerebrais são mobilizadas para aprender o significado dos números ou a relação entre eles. O número 5 significa um certo número de objetos à sua frente. O número 1 representa um único objeto. Esse é o significado dos números: representar quantidades. Já compreender que 5 é maior que 1, no entanto, é um pouco mais difícil. Neste caso trata-se de uma relação entre os números. E quando os números são altos, aí mesmo é que tudo fica mais difícil: 1.564 representa uma grande quantidade de objetos, maior que 1.562 e menor que 1.607.
Roberto Lent: O cérebro conectado dos fetos humanos
Meus netos de 5 anos ainda não sabem isso, mas chegarão lá. Depois que aprenderem, tudo ficará mais fácil e quase automático. Para as crianças dessa idade, a tarefa é bem difícil. De que modo o cérebro deles conseguirá essa proeza?
Essa foi a pergunta feita por um grupo de pesquisadores de Singapura em trabalho recente. Os pesquisadores primeiro fizeram uma pesquisa detalhada da literatura científica da área (chamada “metanálise”), que revelou, em adultos, uma rede centralizada pelo córtex parietal – aquele que fica mais ou menos acima das nossas orelhas. Isso significa que as operações matemáticas simples descritas acima são realizadas muito eficientemente nos adultos sob comando do córtex parietal.
A seguir, os pesquisadores utilizaram cerca de 120 crianças de 4 anos e outro tanto de 6 anos — intervalo de aprendizagem dessas habilidades matemáticas — para investigar seu desempenho. Depois relacionaram os dados com o estudo das redes cerebrais envolvidas nessa função, avaliadas por ressonância magnética funcional. Nas crianças menores apareceu, como esperado, o córtex parietal no comando, mas também uma outra região fortemente ativada, chamada córtex frontal (situada na fronte, atrás da testa). Nas crianças maiores, só a rede dos adultos.
Por que as crianças utilizam mais áreas cerebrais durante a fase de aprendizagem, do que depois, quando já aprenderam? A resposta é simples: para aprender, o esforço é maior e outras funções cognitivas têm que ser mobilizadas, como a atenção e o controle inibitório, para evitar a dispersão em outros pensamentos. Nos adultos, isso não é tão importante porque automatizamos o processo.
O mapeamento dessas redes neurais envolvidas é importante porque permitirá identificar pela atividade cerebral as crianças com transtornos específicos de aprendizagem (a chamada discalculia, em particular). Além disso, acompanhando a ativação cerebral nessas crianças será possível utilizar ferramentas terapêuticas para a sua correção, como o treinamento cerebral (neurofeedback).
Quem sabe será até possível alavancar o ensino da matemática nas crianças em geral, se descobrirmos meios de ativar as redes cerebrais específicas com técnicas acessíveis e amigáveis?
Fonte: O Globo
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