Há 15 anos, um homem de apelido Manoelito se tornou o último homem a matar alguém na cidade de Dom Macedo Costa, a 180 quilômetros de Salvador. Nem por isso ele foi preso. Na ocasião, o responsável pelo caso era um delegado auxiliar, calça-curta como eram chamados. Um dos advogados perdeu o inquérito e tudo ficou por isso mesmo. Hoje, os policiais da cidade sequer sabem o sobrenome de Agenor.
Há 15 anos, aquele assassinato de Agenor foi a última “morte matada” em Dom Macedo Costa, cidade que tem cerca de 4 mil habitantes e se resume a uma rua com poucas transversais.
“Aqui é o lugar mais calmo do mundo. Calmo até demais!”, define o aposentado Lourival Gonçalves, de 64 anos. Sentado em um dos banquinhos em frente ao Cemitério Municipal, ao lado de outro Lourival, o Sales, 69, ele deixa logo claro que não trabalha ali: “Deus me livre! A gente senta aqui só pra ver o movimento”. E alguém entra no cemitério? “Não. Eu era pequeno quando mataram alguém aqui, era até uma professora”.
Homicídio confirmado não acontece há 15 anos, mas, há seis anos, um caminhoneiro foi encontrado morto na zona rural de Dom Macedo. A atual delegada titular do município, Silvânia Campos Sobral, acredita que aquele foi um caso de assassinato, mas o delegado responsável pelo inquérito na época entendeu o caso como latrocínio (roubo seguido de morte).
Ilhas
Felizmente, Dom Macedo Costa não é a única cidade na Bahia com índice de homicídios nulo. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, em 43 municípios não ocorreram assassinatos nem em 2011 nem em 2012.
O CORREIO entrou em contato com as 43 delegacias locais e verificou que, até 30 de novembro deste ano, 18 cidades se mantinham como recantos de tranquilidade. Além de Dom Macedo, a violência letal passa longe de Catolândia, Cravolândia, Feira da Mata, Firmino Alves, Ibiassucê, Jiquiriçá, Lagoa Real, Lajedo do Tabocal, Lamarão, Licínio de Almeida, Malhada de Pedras, Palmeiras, Pindaí, Rio do Antônio, São Domingos, Urandi e Wagner.
Em Feira da Mata, a 964 quilômetros de Salvador, o último homicídio foi em 2004, segundo policiais da 24ª Coordenadoria do Interior (Coorpin), em Bom Jesus da Lapa. O mesmo não se pode dizer de Mirante, 471 quilômetros distante da capital. Ali, o último assassinato também havia sido em 2004, mas houve um caso em novembro passado.
No Recôncavo, Dom Macedo Costa não está sozinha. Jiquiriçá, a 252 quilômetros de Salvador, não tem qualquer homicídio há seis anos. O último foi um duplo assassinato que vitimou pai e filho.
Para o prefeito Valdemar Andrade Filho, isso é prova de que a população da cidade é tranquila. Lá, vivem 14.118 pessoas, segundo o IBGE.
“Todo mundo se conhece, ninguém tem essa coisa por tirar a vida do outro”, diz. “Aqui a gente fica de porta aberta”, completa o secretário da Administração, Ronaldo da Cruz, que garantiu não haver mendigos, pedintes ou crianças nas ruas, o que foi notado pelo CORREIO pelo menos enquanto esteve na cidade.
Em Dom Macedo, o comportamento dos moradores vai além. O pastor João Batista dos Santos, 70, diz que as pessoas andam na rua de madrugada e até dormem de portas e janelas abertas. “Aqui, ninguém rouba nem um ovo de galinha”, garantiu outro morador, Juarez Martiniano.
O prefeito José dos Santos Fróes também ressalta a tranquilidade do povo e comemora a “falta de vocação para o crime”. Os dois únicos presos da cidade estão no xadrez por conta da Lei Maria da Penha e brigas de rua, principais motivos de detenções por ali.
Em Jiquiriçá, a gerente de uma loja afirma que até roubos são raros, apesar das últimas ocorrências em residências de dois bairros: Pindoba e Flamboyants. “Aqui já até perderam o malote de dinheiro no caminho do banco, mas roubar, nunca roubaram”.
Na delegacia da cidade, o CORREIO encontrou um escrivão e dois servidores cedidos pela prefeitura. E só. Lá, não há delegado titular há mais de um ano. Quem cuida da cidade são dois policiais militares, um policial civil e o trio da delegacia, coordenados pela delegada titular da cidade de Ubaíra, Aline Cristina Nogueira.
Equipe
Para ela, os baixos índices de criminalidade em Jiquiriçá resultam de um trabalho que não é só da polícia. “Segurança pública é trabalhar em equipe: padre, pastor, prefeito, vereador, juiz, promotor, líder comunitário. Todo mundo é importante para isso”, observa. Ela lembra que a cidade não tem um histórico violento e que o trabalho de palestras nas escolas ajuda.
Já em Dom Macedo Costa, o efetivo da PM é de dez homens, enquanto apenas um escrivão e uma funcionária cedida pela prefeitura atuam na delegacia, junto à titular Silvânia Campos Sobral. Para ela, o trabalho de combate ao tráfico de drogas nas divisas com outros municípios ajuda a reduzir as ocorrências.
“Esta é a quarta menor cidade da Bahia, mas tem muita cidade pequena que sofre com a criminalidade. Os homicídios se relacionam com o tráfico. Para combater o homicídio, a gente tem, primeiro, que combater o tráfico”.
Esta é a segunda vez que ela está à frente da delegacia da cidade. Entre 2002 e 2007, nenhum homicídio foi registrado. De 2011 para cá, também não. Mas Silvânia diz que Dom Macedo Costa já foi mais tranquila. “Na primeira vez, a gente tinha uma média de dez inquéritos por ano. Hoje, fica entre 20 e 25”, conclui.
Qualidade de vida cativa moradores das cidades
Morador de Jiquiriçá há 28 anos, o professor Marcos Emanuel Machado, 30 anos, não pretende deixar a cidade. “Só se for para trabalhar. Por moradia, não. Eu tenho uns parentes de Feira de Santana que estão querendo vir para cá”, contou. O único problema é a falta de cursos superiores na cidade, que atrai visitantes para o ecoturismo.
A estudante Alessandra França, 18, diz que os policiais sequer têm trabalho na cidade. “A não ser no final de semana, quando eles são mandados para a cachoeira. Aqui é tudo muito tranquilo”. Segundo o prefeito de Jiquiriçá, Valdemar Andrade Filho, a Cachoeira dos Prazeres recebe centenas de turistas nos finais de semana, principalmente no Verão, o que exige mais policiamento.
Em Dom Macedo Costa, também parece não faltar qualidade de vida. O vereador Juraci Santos conta que existe uma população flutuante no município, formada por quem trabalha na vizinha Santo Antônio de Jesus, de 99.407 habitantes. “Muita gente trabalha lá, mas mora aqui, pela tranquilidade, pelo clima, pela qualidade de vida”.
Estado tem 141 cidades sem titulares na delegacias territoriais
De acordo com a Polícia Civil, dos 417 municípios do estado, há 141 sem delegados titulares, como é o caso de Jiquiriçá. A previsão é que, a partir do ano que vem, os 100 aprovados no último concurso comecem a ser chamados.
No momento, o processo seletivo se encontra em fase de entrega de documentos. No ano que vem será feito o treinamento e a capacitação pela Academia de Polícia Civil (Acadepol). Os municípios com maior déficit terão prioridade, segundo a Polícia Civil. Das 27 cidades que integram a 4ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin/Santo Antônio de Jesus), além de Jiquiriçá, São Miguel das Matas também está sem titular na delegacia.
Quando é preciso, o reforço chega das cidades vizinhas. Quando o CORREIO visitou as cidades, o delegado estava de férias e era substituído pela colega Aline Cristina Nogueira, de Ubaíra.
O coordenador da 4ª Coorpin, delegado Paulo Roberto Guimarães, ficou satisfeito ao saber que duas cidades da região não registram homicídios há quase três anos, mas pediu reforço. “Jiquiriçá é uma cidade com menor número de ocorrências, então pedi ao delegado de lá para vir para cá, que precisa mais”.
Fonte/Fotos: Correio
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