As cotas raciais nas universidades são constitucionais. Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que as políticas afirmativas não violam o princípio da igualdade e não institucionalizam, como defendeu o Democratas, autor da ação julgada, a discriminação racial.
Os 10 ministros – Dias Toffoli não participou do julgamento – deram nesta quinta-feira o aval para que universidades brasileiras reservem vagas para negros e índios em seus processos seletivos e afirmaram que as ações afirmativas são necessárias para diminuir as desigualdades entre brancos e negros e para compensar uma dívida do passado, resultante de séculos de escravidão no Brasil. No caso específico julgado, o STF concluiu que a política de cotas estabelecida pela Universidade de Brasília (UnB) não viola a Constituição.
O mais aguardado dos votos foi dado pelo ministro Joaquim Barbosa, único negro a integrar o Supremo e que, na semana passada, disse ser vítima de racismo na própria Corte. “Na história não se registra na era contemporânea nenhuma nação que tenha se erguido da condição periférica a condição de potência política mantendo no plano doméstico uma política de exclusão, aberta ou dissimulada, pouco importa, em relação a uma parcela expressiva de sua população”, afirmou Barbosa.
Na quarta-feira, o relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, já havia votado favoravelmente às políticas de cotas. O voto foi seguido pelos demais. “A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados”, afirmou o ministro Luiz Fux, o primeiro a votar na sessão desta quinta-feira.
A ministra Rosa Weber afirmou que a disparidade racial no Brasil é flagrante e que a política de cotas não seria razoável se a realidade social brasileira fosse outra. “A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela”, disse Rosa Weber. “Se a quantidade de brancos e negros pobres fosse aproximada, seria plausível dizer que o fator cor é desimportante”, acrescentou. Os ministros ressaltaram, no entanto, que a política de cotas deve ser temporária, até que essas disparidades sejam corrigidas. “As ações afirmativas não são a melhor opção, mas são uma etapa. O melhor seria que todos fossem iguais e livres”, disse Cármen Lúcia.
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que a neutralidade estatal ao longo dos anos resultou em um fracasso. “Precisamos saldar essa dívida. Ter presente o dever cívico de buscar o tratamento igualitário”, disse. Ele lembrou que quando presidiu o STF implementou um sistema de cotas para contratação de funcionários terceirizados. Apesar de votar favoravelmente às cotas, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que a reserva de vagas para afrodescendentes pode gerar situações controversas. Na opinião do ministro, o ideal seria que a ação afirmativa fosse baseada em critérios sócio-econômicos. “Aqui permite-se uma possível distorção. Pessoas que tiveram um desenvolvimento educacional adequado sejam convidadas a trilhar caminho facilitário das cotas”, disse. “Ricos que se aproveitam da cota, pervertendo, portanto, o sistema”, completou.
Ele classificou como caricatural o estabelecimento de um “tribunal racial” que define se o candidato é ou não é negro, podendo adotar critérios contraditórios. Ele disse que esse órgão “está longe de ser infalível”. Como exemplo, citou o episódio envolvendo gêmeos univitelinos. Um foi considerado negro e o outro branco para a política de cotas. Gilmar Mendes afirmou ainda haver problemas no Brasil em razão das dificuldades de acesso à universidade pública. De acordo com ele, as universidades públicas brasileiras geralmente oferecem poucas vagas. Na UnB, por exemplo, são cerca de 50 vagas no curso de direito por turno.
Para ele, uma saída seria expandir o número de vagas no sistema público de ensino. Mas isso levaria à necessidade de uma dotação maior de recursos. “Se tivéssemos vagas em número suficiente, essa tensão praticamente não existiria”, afirmou. Joaquim Barbosa citou a experiência de outros países. Ele informou que em cidades como Nova York e Paris existem cerca de 15 universidades públicas.
Também a favor da adoção das cotas, o ministro Cezar Peluso disse que o sistema “é um experimento que o Estado brasileiro está fazendo e que pode ser controlado e aperfeiçoado”. “Com o diploma, de algum modo está se garantindo o patrimônio educacional”, afirmou Peluso. “O que as pessoas são e o que elas fazem depende das oportunidades e da experiência que elas tiveram para se constituir como pessoa”, disse. “O mérito é critério justo. Mas apenas para os candidatos que tiveram oportunidades”. Gilmar Mendes criticou o fato de a política adotada pela UnB ser baseada em critérios puramente étnicos e defendeu uma revisão do modelo daqui a dois anos.
Fonte: Atarde
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