Escrito por Nando da costa Lima
CONDEÚBA 2×0
Hugão era o maior trambiqueiro de carga da Bahia, ficou famoso como o caminhoneiro que mais enganou fiscal no Estado. Não tinha posto fiscal que ele não tivesse passado com carga sem nota. Como sabia que o pessoal da fiscalização sempre foi incomprável, nem tentava subornar dava um jeito de passar por debaixo do pano, sempre tinha um plano que dava certo. Teve uma vez que ele passou mais de 3 mil sacos de feijão sem que o posto notasse, foram várias viagens. Ele espalhava o feijão no lastro da carroceria e em cima colocava uns dez carregadores fantasiados de romeiro, os peões passavam no posto cantando hinos religiosos, os fiscais nem desconfiavam, mandavam passar direto. Quando descobriram Hugão já tinha pagado o caminhão e dado entrada numa terrinha. Este golpe só foi descoberto porque um dia os carregadores ficaram bêbados e na hora de atravessar o posto em vez de cantarem os hinos que todo romeiro usa, cantaram: “Mamãe eu quero mamar” com a letra modificada pra “Fiscal eu quero mamar”. Além de fama, Hugo ganhou muito dinheiro com esses trambiques. Um dia ele recebeu um grande desafio, tinha um fazendeiro que dava um caminhão pra quem passasse dez cargas sem notas no posto de Condeúba. Tava dando esse prêmio porque sua intenção era desrmoralizar o fiscal responsável.
Naquele tempo quem tomava conta do posto era seu Izalto, ali era jogo duro, só passava quem estivesse em dias, não adiantava choradeira. Quem tentou subornar foi preso, em enganar, ninguém pensava. Toda cidade se orgulhava da integridade do ex-pracinha e agora fiscal, até ele se gabava de nunca ter sido enganado em serviço. Os fazendeiros é que pediam a morte, foi isso que levou um deles a propor este desafio a Hugão, o rei do trambique. Com a fama que tinha, não iria recusar um duelo com o fiscal mais temido das estradas baianas, seu Izalto já tinha ido até na guerra, era tão famoso quanto ele. AIém do mais, ele ia ganhar um caminhão novo como prémio.
Izalto tava multando uma camionete quando Hugo passou pela primeira vez, o lastro do caminhão tava carregado. Por cima da carga contrabandeada, estavam os mesmos dez carregadores que sempre o acompanhava nessas aventuras. Só que desta vez a tática era outra, eles agora fingiam ser um time de futebol voltando de um quadrangular. Passavam em frente do posto fiscal batucando e gritando: “CONDEÚBA DOIS A ZERO”. Seu Izalto Jardim nem batia a mão, já tinha sido goleiro do Condeúba Esporte Clube em 1936. E assim Hugão ia passando, era só chegar perto do posto que o pessoal começava: “CONDEÚBA DOIS A ZERO”. Só faltavam duas viagens pra ele ganhar o caminhão e desmoralizar o fiscal, aquilo pra ele era uma grande vitória, veio do Ceará fugido por força das circunstâncias. Mas agora ele tava dando a volta por cima, começou a comemorar antes de terminar o serviço.
E foi na penútima viagem que ele se ferrou, quando o time ia passando seu Izalto mandou encostar. Não quis nem papo, prendeu motorista, carga, caminhão e até a falsa torcida. O sonho do trambiqueiro foi por água abaixo.
Mesmo vencido pela competência de Izalto o rei da caneta, Hugo ficou curioso, queria saber como aquele fiscal descobriu um plano tão bem elaborado. Seu Izalto coçou a cabeça e respondeu com ar de Sherlock Holmes: “É o seguinte meu filho, hoje é quarta-feira, e de domingo pra cá esse time que você carrega já ganhou de dois a zero nove vezes”. Depois de narrar a brilhante dedução ele não se conteve de alegria, e mesmo com o posto cheio de gente, ele subiu numa cadeira, levantou os braços e gritou vitorioso: “IZALTO UM A ZERO ÔÔÔÔ Ô…”
Tamanduá
Aconteceu há mais de um século,
de uma briga entre parentes,
uma vingança inclemente
na fazenda Tamanduá:
Não sei se foi valentia,
não sei se foi covardia
a razão você vai dar!
Na fazenda já citada,
região de Belo Campo,
divisa com a Pau de Espinho,
por causa de uma aguada
desandou a amizade
que amigos tinham pra dar.
De um lado Calixtinho,
do outro Coronel Domingos,
que protegendo seu genro
que era tido como filho
fez a briga engrossar!
Foi de uma briga a toa,
na beira d’uma lagoa
que o genro inconformado
por ter sido escorraçado
resolveu ir a desforra
matando os dois que outrora
sua moral abalou.
Calixto chegou da roça,
Viu os corpos dos irmãos
Se benzeu mas nem chorou,
Largou tudo que fazia
E no mundo se embrenhou.
Mas logo chegou a notícia,
que Calixto ainda irado
arranjou homens armados
pra dar o troco dobrado
a quem seus irmãos despachou.
O genro, ciente disso,
entrincheirou-se com o sogro
na sede da Tamanduá.
Era tanto pau de logo
que chegava assustar!
Mas não era o bastante
Pra Calixto enfrentar.
Foi uma ano de tensão
até que um dia Calixto
Resolveu que ia atacar!
Ele veio pelo batuque,
pra atenção não despertar,
chegou bem na madrugada,
Cauã já tinha acordado
e lá de dentro do mato
seu canto se fez escutar.
Mau sinal que só mais tarde
O povo foi confirmar!
A sede estava cercada,
só faltava amanhecer
pra jagunçada atacar
e por fim naquela briga
antes da noite chegar.
Numa coisa houve respeito:
As mulheres e os meninos
Foram poupados do cerco
sobre ordem de Calixto
puderam se retirar.
Os que ficaram na sede,
bravamente resistiram
aos ataques dos jagunços
que além de serem muitos
tinham sede de matar!
O coronel e seu genro,
vendo a força do inimigo,
resolveram se entregar
pra os inocentes poupar.
Mas Calixto, intransigente,
quando entrou no casarão,
cercou toda aquela gente
e ordenou a matança,
a ninguém quis perdoar,
era a morte dos irmãos
que ele queria vingar.
Vinte e dois corpos tombaram,
todos da mesma família
na sede da Tamanduá:
Inclusive o coronel
Calixto mandou sangrar.
Afonso, que era seu genro,
ele mandou degolar.
Só depois de muitos dias,
que o povo de Belo Campo
pode os corpos sepultar,
temiam por represálias
dos que passaram por lá.
A casa foi demolida
e os mortos na chacina
ficaram no mesmo lugar,
ali foram sepultados
só deixando esta história
que acabei de contar.
Fonte: Blog da Resenha Geral
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