Leia o poema “Ao dia 2 de Julho”

200px-CastroAlvesAo dia 2 de Julho

Castro Alves

Que céu tão negro… que tão negra a terra,
Rugindo rola-se o trovão no espaço…
Falanges negras de chumbadas nuvens
Raios vomitam num medonho abraço…

Na terra perdem-se ao tinir de ferros
Entre soluços mil sentidos cantos,
E ao som do cedro que os machados tombam
Chora o cativo amargurados prantos.

Do rosto másculo lhe goteja a lágrima
Que as ervas torra do queimado chão.
Procura a esposa que lhe mostre o filho…
O céu troveja e lhe responde — não.

Um suor frio lhe passou nos membros…
No corpo a vida para sempre cansa.
Caiu por terra, mas lembrando o filho
Com os lábios hirtos repetiu — vingança.

Nem pôde ao menos abraçar a esposa
Na hora triste do seu passamento.
São-lhe sudário da mangueira velha
As folhas secas que lhe atira o vento.

Só tem por prantos o gemer tristonho
Da ventania que rugindo passa.
— Triste epopéia do guerreiro forte
Que enfim, cativo fez a morte escassa…

E após… Um dia a soluçar nos ferros
Passa o filhinho p’la senil mangueira…
E passa o triste sem saber ao menos
Do pátrio túmulo ter passado à beira…

PARTE SEGUNDA – A Vingança

Não ouvis que voz terrível
Que nos traz a ventania
Que há pouco só nos trazia
Tristes suspiros de dor?…
E do relâmpago sinistro…
Vede… As lousas estalaram…
E os espectros acordaram…
Medonhos no seu furor…

Ergueram-se mil fantasmas
Hirsutos e suarentos
A branca mortalha aos ventos
Flutua longa alvadia.
Tiradentes mostra o insulto
Que lhe pesa sobre a fronte,
Gonzaga aponta o horizonte
Co’a mão descarnada e fria.

E Cláudio, e o forte Alvarenga
Recordam o seu passado,
Só de dores coroado…
— Triste c’roa do infeliz…
Pedem castigo p’ra aqueles
Que assinaram a — sentença —
— De — morte — a quem na defensa
Lutava de seu país.

A mãe clama pelo filho…
E pelo amante a donzela…
O índio pela mata bela
Onde a vida lh’era mansa…
— Vingança — uníssona e forte
Uma voz terrível brada…
Três séculos surgem do nada
Para bradarem — vingança —

PARTE TERCEIRA – Saudação

Quereis que vos conte a história brasílea
Que Deus copiara sorrindo talvez…

E as lutas terríveis do moço gigante
Com o velho que ao mundo ditara só leis…

Oh! Não… Que sois filhos do povo dos bravos…
Sois filhos hercúleos do hercúleo cruzeiro…
Sabeis esta história… Quem é que não sabe-a?
Quem é?… Se não sabe-a… não é Brasileiro.

E a este que a digam as águas de prata
Que um dia de sangue ficaram também…
Que a digam as águias, que viram as lutas
E foram contá-las às águias de além…

E o velho vigia dos louros da pátria
Da história brasílea servil sentinela
— O campo formoso ao grão Pirajá —
Que para cantá-la deitado lá vela.

E após essa luta… Nos ares um grito
Passou repetindo-se em vales e montes…
E a ouvi-lo os tiranos nos tronos tremeram
E viram tremerem-lhe as cr’oas nas frontes…

E um povo de bravos ergueu-se dizendo:
“Já somos nós livres, já somos nação!…”
Co’as águas imensas o imenso Amazonas
Pomposo repete: — “Sou livre em meu chão!…”

E ao grito de livres as fontes correram
E em lindas cascatas os rios saltaram…
Ergueram-se cantos festivos de hosanas,
As flores do seio da terra brotaram…

É hoje, senhores, o dia da pátria.
Que d’alma — os Baianos — conservam no fundo,
Saudemos o dia que ergueu-nos do lodo…
Que marca um progresso na vida do mundo.

Senhores, a glória de um povo é ser livre…
O nome de livres é o nosso brasão.
Seja esta a divisa da nossa existência.
E este epitáfio se escreva no chão…

AVISO: O conteúdo de cada comentário é de única e exclusiva responsabilidade do autor da mensagem.

2 Comentários

  • Agnério Evangelista disse:

    Lembra-me o poema Ode ao Dous de Julho, recitado por Ele em São Paulo:
    “Era no Dous de Julho. A pugna imensa/ Travara-se nos cerros da Bahia…/ O anjo da morte pálido cosia/ Uma vasta mortalha em Pirajá/ Neste lençol tão largo, tão extenso/ Como um pedaço roto do infinito/ O mundo perguntava erguendo um grito:/ Qual dos gigantes morto rolará?!…

  • Negão de VAzim disse:

    Castro Alves. Tudo vem dele é gostoso de se lê.

Deixe um comentário

Adicione seu comentário abaixo . Você também pode assinar estes comentários via RSS.

Seu email não será divulgado. Os campos que estão * são obrigatórios.