Excludente de Ilicitude

Por: Décio Pereira

Jaciro

O sol vai se pondo e a última lasca de luz toca a torre da igreja matriz de Sto Antônio, passa das 17h, de uma quinta-feira cinzenta na Pça Sto Antônio, Condeúba-BA, endereço nobre do nosso saudoso Jaciro, O Vizinho. Como numa dança onde os passos saem automaticamente, meus pés caminham em direção à casa do Sr Antônio de Hermínio, ele já é falecido, mas a casa continua sendo dele, pelo menos na boca do povo. O que vou fazer lá? – Não sei.

Enquanto caminho, minha mente vai passando um filme, onde posso ver claramente nosso artista principal Jaciro, com suas graças e sua alegria contagiante ao ser solicitado para alguma tarefa que ele pudesse fazer, em prol de alguém, e não importava quem era esse alguém. Às vezes embriagadas de vinho, satisfação, fé, piedade, altruísmo… como sempre foi a vida do nosso ator principal, enquanto as pessoas em sua volta, que precisavam dele exerciam seus papeis de coadjuvantes ou … Elenco sempre de cheio de personagens folclóricos. Jaciro seguia sua vida confortável, mesmo com as vicissitudes. Vivia sendo um cara “boa praça” (expressão velha como eu – rsrsrsrs), hoje deve ser “decente”, “que fortalece”.

De repente, sem ter nem pra quê, nem porquê, do nada, a morte sem ter mais o que fazer, decide levar nosso artista. Foi quando naquela manhã triste e fatídica, Dona Maria, mãe e maior fã do nosso artista o encontra desfalecido e morto naquela cama fria do quarto que sempre o abraçou em todos os momentos, sejam eles bons ou não. A morte transformou uma simples viagem na mais doída das passagens dessa para outra vida, nos últimos tempos. Morte, Ó morte! Por que levou nosso Vizinho? – Por que deixaram cometer essa terrível ilegalidade com um sujeito tão legal?

Lá se foram três meses sem o Vizinho…a vida é muito curta para ser pequena, é muito rápida para ser mais ou menos, é muito ruim se vivermos no passado, também é ruim se vivermos no futuro, mas pode ser muito intensa se nos propusermos a ajudar a alguém no agora.

Não que ele não tivesse um caminhão de problemas como todos nós, só que ele sabia engolir o choro, e conseguir forças para seguir em frente. Não estou falando do Bill Gates que doou 35 bilhões de dólares para a fundações, do Charles Francis, George Soros, Warren Buffet. Eu estou falando de Jaciro, que se juntado tudo que ele doou em dinheiro na vida, não deve ultrapassar a casa dos R$ 100,00, mas, doou enquanto viveu o que ele tinha: sua boa vontade em servir.

PQP (perdoem o palavrão), não disseram que “quem não nasce para servir não serve para viver”? – Ele servia para viver, servia muito. Então ao indagar a morte por que levou Jaciro, a única resposta que terei deverá ser esta “EXCLUDENTE DE ILICITUDE”, que traduzindo nada mais é do que uma desculpa esfarrapada para justificar o injustificável. O Vizinho era uma ameaça ao estado ruim do ser humano, por ser do bem.

Mesmo andando devagar, vendo um filme enquanto ando, e depois ainda me perguntam por que ando com a cabeça nas nuvens, chego à calçada alta da casa do Sr Antônio de Hermínio. Lembrei do que fui fazer, chamar Joquinha pra jogar bola. A porta da casa continua entreaberta, escorada por uma pedra lisa e branca ou é bege. Empurro a porta que abre para um corredor de uns quinze metros, que leva a cozinha, onde é a parte da casa que Dona Maria mora (jeito de dizer). Começo a andar aqueles metros intermináveis, carregado por um silencio frio e doído, meus passos ficam pesados como se carregasse um saco de pedras nas costas, passo pelo degrau e ao olhar para a direita, vejo o quarto do nosso artista Jaciro, Lugar em que ele viveu suas alegrias, tristezas, inquietudes, questionamentos, sonhos, desencantos e encantos enquanto a vida lhe quis. As lagrimas brotam como chuva em dia de tempestade, embaçam meus óculos redondo, colam minhas pálpebras e escorrem pelo rosto que tem barba por fazer. Por fazer…quanto ainda tinha meu amigo Jaciro por fazer, quando a morte em um epitáfio, escrito Excludente de Ilicitude o levou?

Após alguns segundos, viro-me para trás e covardemente não tenho coragem de ir abraçar Donas Maria e nem de perguntar se Joquinha está ali, para ir jogar bola comigo. Decido voltar, pra rua, pra casa, pra vida.

Ah! Se tu, Ó morte, também tivesse decidido voltar naquele fim de junho e não tivesse levado nosso amigo Jaciro!

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