O novo Fundeb vai possibilitar uma expansão de recursos para a educação que tira ao menos 46% dos municípios brasileiros da condição de subfinanciamento.
O esforço fiscal não será trivial. O novo modelo exigirá da União mais do que o dobro de dinheiro hoje destinado pelo fundo ao financiamento da educação básica.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) que torna o fundo permanente foi aprovada na Câmara na terça-feira (21). O texto ainda precisa passar pelo Senado.
O gasto por aluno no Brasil não chega à metade da média de países desenvolvidos, e isso será impactado. Porém, há discussões sobre a pertinência de se elevar esses gastos.
Há especialistas que dizem que o país elevou recursos nas últimas décadas e não alcançou resultados a contento. Destacam ainda experiências exitosas com os orçamentos atuais, mesmo em cidade pobres. Isso reforçaria o argumento de que o problema é de gestão.
O desafio do Brasil é a desigualdade. Desestruturadas, as escolas têm jornadas de aulas reduzidas e falta de professores. Há ainda mais de 7 milhões de crianças e jovens fora dos colégios.
Principal mecanismo de financiamento à educação básica, o Fundeb reúne parcela de impostos de estados e municípios e uma complementação da União para atender estados e respectivos municípios que não atingem um valor mínimo por aluno a cada ano.
As verbas são redistribuídas com base no número de estudantes e modalidade. Matrículas em creche e ensino integral têm valores maiores, por exemplo.
A complementação da União representa hoje 10% —R$ 16 bilhões. Com o novo texto, subirá a 23% até 2026 —nas condições atuais, o percentual resultaria em R$ 38 bilhões.
Parte dos recursos novos será distribuída com base na realidade dos municípios. Isso atinge cidades pobres hoje não contempladas.
Estima-se que o novo texto deva levar mais dinheiro a 2.750 municípios, de 25 estados, atingindo 17 milhões de alunos. Só esse volume de estudantes representa mais de três vezes a população da Finlândia e quase equivalente à do Chile, de 18,9 milhões.
No Brasil, nem 15% dos alunos brasileiros têm ao menos 7 horas de aulas diárias, jornada que praticamente é regra em países com bons resultados. A média no Brasil é de 4,5 horas.
Quatro em cada dez escolas de ensino fundamental não têm biblioteca. E 12% não têm banheiro no prédio. A média salarial do professor não chega à metade dos países da OCDE (grupo de países ricos).
Até no cenário da América Latina a situação do Brasil é desfavorável. Com baixos salários, a carreira docente atrai, em geral, os piores alunos da educação básica.
Um estudo do Movimento Todos Pela Educação calculou a correlação entre investimento por aluno e desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano).
Redes com um orçamento por aluno de até R$ 4.300 em valores de 2015 (equivalente a R$ 5.400 atualizados pela inflação) não têm condições de atingir resultados satisfatórios de aprendizagem. Os dados mostram que 46% das redes municipais do país estão abaixo desse patamar.
A análise leva em conta apenas as redes entre os 30% melhores Ideb, o que exclui prefeituras com falhas de gestão. A análise também pondera os efeitos do nível socioeconômico dos alunos, estatisticamente influente para o sucesso escolar.
A expansão do Fundeb vai possibilitar uma alta de 55% no gasto mínimo por aluno no país, chegando a R$ 5.679,90.
Para Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação, o Fundeb é uma política redistributiva com alta eficiência alocativa. “A gente começa um novo capítulo com todos os municípios em um patamar de financiamento em que é possível ter resultados, uma política educacional”, diz.
Segundo ela, não é coincidência que os resultados educacionais dos anos iniciais do ensino fundamental tenham tido avanços no Ideb em paralelo ao funcionamento do Fundeb, criado em 2007. A versão atual expira neste ano, daí a necessidade de renovação.
Segundo Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, não é possível exigir resultados sem melhorias no padrão de escolas, de salários e carreira docente, número adequado de alunos por sala e insumos mínimos.
“Esse conjunto de elementos tem de ser investido em nome de projeto pedagógico, sem isso não se consegue ter escala, porque o Brasil tem ilhas de excelência”, afirma.
O Fundeb representa hoje R$ 4 de cada R$ 10 investidos na educação básica no país. Ele tem enorme importância para as redes, mas sozinho não é suficiente para a manutenção do sistema educacional público, que reúne 39 milhões de matrículas (81% dos estudantes do Brasil).
A complementação da União tem o objetivo de equalizar o esforço entre os entes. Atualmente, 80% dos recursos da educação básica saem dos cofres de estados e municípios.
Há especialistas, porém, que dizem que o problema não é dinheiro. É gestão.
O economista Marcos Mendes, professor do Insper, ressalta que o Brasil foi um dos países que mais investiram em educação nas últimas décadas, com percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) similar a de países ricos. Contudo, segundo ele, não houve melhorias de resultados e priorização de gastos.
“Onde houve preocupação com qualidade, com currículo estruturado, condições de trabalho para o diretor de escola, organização de tamanhos das turmas, seleção de diretor, a coisa foi para frente. Há municípios com baixa receita com desempenho melhor do que aqueles que gastam muito”, diz.
“A decisão de gastar foi tomada, agora tem de correr atrás da receita. Porque foi esse tipo de atitude que nos colocou na situação crítica que gerou recessão iniciada em 2014”, afirma Mendes, que é colunista da Folha.
Estudo do economista Ricardo Paes de Barros, também professor do Insper, indica ineficiência do Brasil na relação entre gasto por aluno e desempenho em matemática no Pisa, a avaliação internacional feita com estudantes de 15 anos.
Países com menores dispêndios, como Indonésia, México, Colômbia, Turquia e Chile, conseguem resultados melhores. Na análise de Barros, nenhum país é mais ineficiente que o Brasil.
O Brasil fez esforços recentes de inclusão. Em 1985, por exemplo, 35% das crianças e jovens de 4 a 17 anos estavam fora da escola. O percentual caiu a 6% em 2016.
O percentual de investimento em educação no Brasil, em 1985, não chegava a 3% do PIB. Em 2018, foi de 5%, o que inclui também o ensino superior.
O país, contudo, ainda tem mais de 6 milhões de crianças de até 3 anos fora da creche. Entre jovens de 15 a 17 anos, idade para o ensino médio, a exclusão atinge 676.509 pessoas.
O professor Fernando Abrucio, da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que não há contradição entre aumentar gastos e melhorar gestão. Segundo ele, não colocar os desafios estruturais da área na conta é naturalizar a desigualdade no Brasil.
“O gasto per capita é baixo, o que já justificaria o aumento, e o recurso também é mal distribuído. Então não pode só distribuir a miséria, tem de aumentar para distribuir melhor”, diz.
No Ceará, apontado como exemplo de eficiência porque municípios pobres conseguiram bons resultados com recursos limitados, o estado aprovou lei, em 2009, que alterou a distribuição do ICMS para municípios com base em resultados educacionais.
A PEC do Fundeb também prevê a medida e dá aos estados prazo de dois anos para a criação da legislação.
Em meio aos debates, Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que mudanças não serão sentidas de um ano para o outro. “Educação é maratona, não é corrida de cem metros.”
Fonte: Folha
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